Polícias matam cada vez mais no Brasil

As polícias dos estados brasileiros produziram, em média, 17,6 mortes para cada dia do ano de 2020. Ao todo, 6.416 vítimas, o maior número desde quando o indicador passou a ser monitorado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2013. Um aumento de 190% em menos de uma década.

No primeiro ano da pandemia da Covid-19, quando a circulação de pessoas foi reduzida em função das medidas de distanciamento social e prevenção ao vírus, de cada 100 homicídios registrados no País, 12,8 foram praticados por agentes de segurança. A grande maioria por policiais militares em serviço.

Esse crescimento no número de mortes por intervenção policial em 2020 no Brasil surpreende porque ele aconteceu mesmo com a redução de 31,8% das ocorrências no estado do Rio de Janeiro, que passaram do recorde histórico de 1.814 em 2019 para 1.245 no ano seguinte. Os números começaram a cair a partir da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que limitou as operações policiais nas comunidades cariocas.

As vítimas da polícia no Brasil têm cor, idade e gênero bem definidos. Quando o tema é violência policial, a desigualdade racial é evidente. A taxa de letalidade policial entre negros é de 4,2 vítimas a cada 100 mil. Entre brancos, é quase três vezes menor, de 1,5 a cada 100 mil. 

Dados de 2020 do boletim “Pele Alvo: a cor da violência policial”, produzido pela Rede de Observatórios da Segurança, evidenciam a seletividade da ação das polícias. Levantamento feito em sete estados, via Lei de Acesso à Informação (LAI), indicaram que a proporção de pessoas negras mortas pelas polícias na Bahia, Ceará, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo foi bem superior à proporção de negros na população geral de cada um desses estados.

A maior disparidade aconteceu em Pernambuco, quando a diferença atingiu 35 pontos percentuais, considerando que a população negra é de 61,9% da população geral do estado e que esse mesmo grupo representou 97,3% das pessoas mortas pela polícia pernambucana.

Homens jovens negros, moradores de bairros periféricos, são aqueles que as polícias brasileiras mais matam. Eles também compõem a maioria das vítimas de mortes violentas intencionais em geral e da população encarcerada. Condição que reafirma o racismo estrutural que molda a sociedade brasileira desde a escravização.

“O acesso a direitos civis, os mais fundamentais, é tão regulado por marcadores sociais da diferença (raça, classe, gênero, sexualidade, idade, deficiência), que tais representações sociais legitimam mortes, majoritariamente de jovens negros e pobres como se não houvesse direito a não-discriminação, à vida e à integridade física no país. Existe reconhecimento formal dos direitos civis, políticos e sociais destes grupos na letra da lei, mas o abismo entre a formalidade legal expressa no papel e a efetivação real de tais direitos permanece imenso”, expõe relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Foto de capa: Tomaz Silva/Agência Brasil
Foto ao lado: Veetmano/JCMazella

O número de pessoas
mortas por policiais
cresce ano a ano:

 

2013 – 2.212
2014 – 3.146
2015 – 3.330
2016 – 4.220
2017 – 5.179
2018 – 6.175
2019 – 6.351
2020 – 6.416

Faixa etária das vítimas de intervenções policiais com resultado morte no Brasil

  • 0 a 11 0% 0%
  • 12 a 17 7.4% 7.4%
  • 18 a 24 44.8% 44.8%
  • 25 a 29 24% 24%
  • 30 a 34 11.3% 11.3%
  • 35 a 39 5.5% 5.5%
  • 40 a 44 3.6% 3.6%
  • 45 a 49 1.6% 1.6%
  • 50 a 54 0.9% 0.9%
  • 55 a 59 0.5% 0.5%
  • 60 + 0.5% 0.5%

Raça/cor das vítimas de intervenções policiais com resultado morte e população brasileira

Vítimas de intervenções policiais que resultaram em morte:

  • BRANCAS 20.9% 20.9%
  • NEGRAS 78.9% 78.9%

População brasileira:

  • BRANCA 42.7% 42.7%
  • NEGRA 56.3% 56.3%

Quem atira

Quem morre

%

DAS MORTES PRODUZIDAS POR POLICIAIS NO BRASIL FORAM POR PMS; EM 24,5% DOS CASOS A INFORMAÇÃO SOBRE AUTORIA NÃO ESTAVA DISPONÍVEL

%

DOS ÓBITOS PRODUZIDOS POR POLICIAIS NO BRASIL FORAM DURANTE O EXPEDIENTE; EM 24,5% DOS CASOS ESSA INFORMAÇÃO NÃO ESTAVA DISPONÍVEL

%

são homens

%

SÃO NEGROS, ENQUANTO A POPULAÇÃO NEGRA SOMA 56,3% DA POPULAÇÃO GERAL NO BRASIL

%

têm até 29 anos

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tem até 39 anos

Quem atira

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DAS MORTES PRODUZIDAS POR POLICIAIS NO BRASIL FORAM POR PMS; EM 24,5% DOS CASOS A INFORMAÇÃO SOBRE AUTORIA NÃO ESTAVA DISPONÍVEL

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DOS ÓBITOS PRODUZIDOS POR POLICIAIS NO BRASIL FORAM DURANTE O EXPEDIENTE; EM 24,5% DOS CASOS ESSA INFORMAÇÃO NÃO ESTAVA DISPONÍVEL

Quem morre

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são homens

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SÃO NEGROS, ENQUANTO A POPULAÇÃO NEGRA SOMA 56,3% DA POPULAÇÃO GERAL NO BRASIL

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têm até 29 anos

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tem até 39 anos

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública | Foto: Veetmano/JCMazella

Salto de 56,6%
em Pernambuco

Em Pernambuco, 115 pessoas foram mortas pela polícia em 2020, um salto de 56,6% em comparação com 2019, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Todas por policiais em serviço, sendo 107 por PMs e 8 por policiais civis. O que aconteceu em Pernambuco, em maior ou menor medida, aconteceu também em outros Estados do Brasil e países do mundo, em 2020, ano que ecoou o lema da luta antirracista “Vidas negras importam”.

Pernambuco possui uma taxa de mortalidade por intervenção policial de 1,2 por 100 mil habitantes, abaixo dos 3,0 da média nacional, mas o aumento do último ano preocupa entidades da sociedade civil que acompanham o tema da segurança pública e direitos humanos no estado. Em 2019, a taxa era de 0,8 por 100 mil.

Segundo dados divulgados pela Secretaria de Defesa Social, até o final de outubro de 2021 já haviam sido notificadas 88 mortes por intervenção policial em Pernambuco.

Foto: Veetmano/JCMazella

Sociedade civil
vê racismo institucional

O aumento no número de mortes por intervenção policial no Brasil é um problema grave e precisa ser encarado a partir da perspectiva do racismo institucional e no contexto do avanço do discurso de “licença para matar” propagado, inclusive, por autoridades públicas. É o que alerta a coordenadora executiva do Gabinete de Assessoria às Organizações Populares (GAJOP), Edna Jatobá.

“É muito perigoso que a sociedade passe a fazer uma associação de que os homicídios estão caindo porque a polícia está matando mais. Isso reforça todo um argumento racista, todo um argumento da seletividade penal, como se existissem mesmo corpos matáveis. Temos que observar com cuidado o que leva a esse aumento da letalidade policial, desassociar da diminuição de homicídios e entender isso como um grave problema social”, argumenta.

No Brasil, depois do recorde de mortes violentas intencionais em 2017, os números de homicídios gerais caíram em 2018 e 2019, mas voltaram a subir em 2020. O mesmo movimento aconteceu em Pernambuco.

A formação dada aos policiais militares é um ponto importante no debate sobre segurança para Edna. “Se eles vão fazer investidas numa dinâmica de guerra contra a população preta e pobre, que são o alvo das mortes pela polícia, além do racismo estrutural da sociedade brasileira existe também a questão do racismo institucional, de como estão sendo realizadas essas formações porque eles são treinados para encontrar esse alvo e abatê-lo. Precisamos, enquanto sociedade, discutir isso”.

O advogado José Vitor, da Articulação Negra de Pernambuco (Anepe), entende a atuação da polícia como parte do processo de genocídio da população negra no Brasil que, afirma, se constitui em várias frentes. “Você tem o desemprego violento, a precarização do trabalho e dessa população. Você elimina o sujeito economicamente, você elimina o acesso à saúde desse sujeito e quando ele não tem mais nada, você extermina ele de forma direta a partir dessa violência policial”.

Para José Vitor, a militarização do governo Bolsonaro e o discurso do presidente têm um impacto direto na atuação das polícias militares por todo o Brasil com o aumento da violência e das mortes nas operações. Ele esteve na manifestação do Fora Bolsonaro no Centro do Recife, no 29 de maio, quando duas pessoas foram atingidas nos olhos por balas de borracha desferidas pela PM. Diz ter percebido, na tentativa de diálogo com as forças de segurança durante as agressões, uma “radicalização ideológica” dos militares contra os manifestantes.

A conjuntura da discussão sobre a segurança pública nos últimos anos no País também tem uma influência importante sobre a conduta das polícias, segundo Edna Jatobá. “No último período, se discutiu muito a ‘licença para matar’, a tentativa de ampliação do excludente de ilicitude, o pacote anticrime do Moro (Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça), tudo isso reforçando uma narrativa de mais flexibilidade nas investigações (sobre violência policial). Os policiais podem se sentir mais incentivados a ir além, entendendo que existe uma conjuntura que lhe dá retaguarda”.

Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas

Secretaria fala
em apuração rigorosa

A Secretaria de Defesa Social de Pernambuco disse realizar uma política interna de treinamento, capacitação e reciclagem para garantir “uma atuação técnica e dentro da legalidade” das polícias no estado. Em nota enviada à reportagem, defendeu a “apuração rigorosa e isenta de infrações disciplinares”.

Segundo a SDS, a Corregedoria Geral registrou 57 casos decorrentes de intervenção policial que necessitaram de investigação do órgão em 2020. Até outubro de 2021, houve outros 58 registros. “Quando há indícios de imprudência, imperícia ou intencionalidade, não há condescendência por parte da Corregedoria da SDS”, assinalou.

A nota traz números de investigações realizadas e punições aplicadas pela Corregedoria “considerando todas as motivações e natureza das denúncias” nos últimos três anos. Diz que 65 policiais, entre militares e civis, foram excluídos da corporação entre 2019 e 2020 sem, no entanto, apontar se essas exclusões estão diretamente relacionadas a apurações de mortes por intervenção policial.

>> LEIA A NOTA NA ÍNTEGRA

Foto: Veetmano/JCMazella